GP Corpo e Cultura presta homenagem ao estudante Baga de Bagaceira

Português, Brasil

Iniciativa e Resistência: marcas de uma estrela

Entusiasmo e coragem. Dois adjetivos que expressam com propriedade Baga de Bagaceira Souza Campos. Performer, ativista, pesquisador e gente boa, assim podemos enumerar as qualificações e qualidades dessa doce criatura que nos deixou inesperadamente na última sexta-feira, dia 10 de julho, supostamente vítima do coronavírus. Diante da sua ausência, não poderia deixar de manifestar a minha tristeza e perplexidade, mas também o orgulho de ter convivido com ele nos últimos seis anos, acompanhando toda sua trajetória acadêmica, seu desenvolvimento e crescimento profissional e pessoal.

O nosso primeiro encontro se deu em 2014, quando ingressou no curso de Jornalismo da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Já aí, me chamou atenção pela sua curiosidade e vitalidade, bem como pelo seu interesse pelas discussões sobre corpo e aparência. Motivado por esses temas começou a frequentar as reuniões do grupo de pesquisa Corpo e Cultura, que coordeno na UFRB, contribuindo ativamente nos debates e já demonstrando sua veia ativista, em que praticava sua delicada rebeldia. Ainda no ano passado, quando celebramos 10 anos do grupo de pesquisa, lembramos que num dos encontros só eu e ele estávamos presentes e que discutimos o texto programado por cerca de duas horas.

Nas suas aparições em sala de aula já começávamos a observar sua militância e afirmação de si, nas escolhas de acessórios e peças comumente utilizadas pelo universo feminino. Lembro bem de uma vez que chegou no salto, “fechando”, como ele gostava de dizer. Outra vez, numa discussão sobre estética, falávamos de alguns gêneros musicais e da música do oriente médio e ele me perguntou se poderia, ao final da aula, apresentar a sua versão da dança do ventre. Respondi que “Sim, claro”!; foi um momento memorável e que demonstra o quanto ele que não tinha medo de se expor. Apesar disso, houve quem criticasse que numa aula de estética houvesse espaço até para a dança... Seu trabalho de Conclusão de Curso já indicava o caminho de pesquisa que iria seguir: pensar a roupa e o corpo vestido como resistência!

Finalizou a graduação e, na sequência, se classificou em primeiro lugar na seleção da primeira turma do Mestrado em Comunicação – Mídia e Formatos Narrativos, da mesma Instituição. Mais dois anos de diálogos e trocas contínuas. Durante este percurso foi representante estudantil, dando voz aos colegas, sempre contribuindo para a construção do recente Programa.

Contudo, dentre todas essas qualidades, o que gostaria de ressaltar aqui é o seu talento para a relação ensino/aprendizagem, que se manifestou quando fez o tirocínio docente  comigo, na disciplina Comunicação, Cultura e Arte, em 2018.1. Ele estimulava os alunos a superar a timidez de fazer perguntas, estabelecendo com eles uma relação de grande empatia, numa experiência muito rica e produtiva, com um retorno extremamente positivo da turma, o que já sinalizava, claramente, sua vocação para a docência.

É importante destacar que durante esse processo acadêmico sua produção era intensa, envolvendo participação em seminários, apresentações de trabalhos e publicações de artigos em periódicos qualificados. Ao mesmo tempo, Baga experimentava também seu lado performer nas ruas de Cachoeira, e mantinha uma relação sutil entre sua expressão plástica e seu investimento intelectual. Apesar de tudo isso, sua vida concreta não era tão fácil quanto pode parecer, pois enfrentava muita resistência e preconceito, que ele precisava superar através do jogo e da criação.  Por isso, dizia que tinha que produzir em dobro para se equiparar aos demais... era preciso “lacrar” na 25 de junho e nas mesas-redondas dos congressos.

Concluiu com êxito sua dissertação, tendo indicação da banca para publicação do trabalho. Mas seu percurso acadêmico não parou por aí. Continuou com o ingresso no início deste ano no Doutorado Multidisciplinar em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos (IHAC/UFBA), articulando sempre com destreza o campo da teoria queer e dos estudos decoloniais, com aspectos conceituais da aparência e da moda. Uma trajetória coerente, coesa e engajada. O perfil do pesquisador estava em Baga, a ação do criador também, e o militante se manifestava nas duas esferas!

O que me deixa um pouco entristecida é constatar que foi preciso ele sair de cena para ser, de fato, reconhecido. E mais do que isso: celebrado. Sabemos que muitos discentes e docentes que acompanharam Baga em seu percurso se incomodavam com sua irreverência, brilho e inteligência; mas agora todos celebram sua passagem entre nós. De todo modo, é pena ele não estar mais aqui para aproveitar tudo isso. Mas de uma coisa temos certeza: Baga será sempre estrela!

 

 

Renata Pitombo Cidreira

Professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)

Coordenadora do Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura

13 de julho de 2020